Saturday, April 08, 2006


O relojoeiro
(poemas publicados em agosto de 2000, edição do autor)
As Sombras das Horas

Cláudio PortellaPoeta, crítico e editor-adjunto da revista PajéUrbe.

Falemos de influências; falemos de Gregório de Matos, Augusto dos Anjos e Wenceslau de Queiroz, 1. Gregório de Matos: advém do Boca do inferno, a oratória, a entonação silábica (favor não confundir com rima). 2. Augusto dos Anjos: talvez o mais influente poeta brasileiro, visto seu livro EU, ser um dos mais lidos no Brasil. Dele herdou a consciência do trabalho poético dos conceitos, e suas variante da palavra morte: Obscura Solidão, falando de flores, Transcendência de um poeta suicida, e não se cogita; são bons exemplo do labor. 3. Wenceslau de Queiroz: desse poeta paulista, contemporâneo e preconizador de Augusto dos Anjos, o germe é a profanação, dessacralização. Comparemos o soneto do livro Rezas do Diabo (1939 – Póstumo), de Wenceslau: Arte maldita! Circe feiticeira!/Bebi também teu philtro de estramonio/Para sonhar a minha vida inteira/No meio deste humano pandemônio;/Para não ver, numa feliz cegueira,/Da realidade e o negro horror gorgonio,/Fugindo assim à multidão rasteira/Sobre as azas rebelde do demônio/Interpretando os symbolos eternos/Da natureza, encantos e pavores/Gosto de quem percorre céus e infernos/E vou crystalizando no meu verso/- no meu verso onde estalam tantas dores, -/O sonho astral do coração perverso.

Com Obscura Solidão, do nosso novo poeta: eis a exuberância do teu/eu universo/ocultando-se na servidão/do eu inatingível/procuro-te no obscuro mas vejo-te/límpida e /singela/no entanto – na solidão das trevas –/restam-te apenas demônios,/ódios, delírios e uma surda melancolia/pois o desdém das sombras e a volúpia/ao obscuro é o que te inspira/agora contemplo teu ambiente/hostil e fúnebre/o escárnio à vida, por noites onde não há flores,/e a cercam de sombras, sombras, sombras....

A preocupação mor do poeta é com o tempo. Um tempo sem conjugações, onde, o que impera é a permanência humana, do amálgama ao elemento superior. Daí O Relojoeiro ser o título (e é no título que ficou humanamente decretado a síntese desse superior que vos falo) preciso para o primeiro livro do nosso novo poeta.

Temos por definição de relojoeiro aquele que fabrica ou concerta relógios. Os relógios aqui são os poemas. Fabricá-los ou concertá-los exige do poeta um entrega sublime. O poeta é o relojoeiro que com extrema paciência e delicadeza lapida as sutis engrenagens do poema.

O poema que dá título ao livro, subdivide-se em cinco. Cada um deles repensa o tempo, tic-tac do relógio dentro de uma óptica personal. Cinco personagens descrevem os efeitos do tempo, que no caso é o trabalho de um Deus desconhecido, em seus corpos e espíritos. Os relatos estão a mercê desse Deus desconhecido, cujo poeta chama de O Relojoeiro. Obra prima!

Chamei o autor desse corajoso livro (corajoso por não coadunar com nenhum modismo importado) de nosso jovem poeta, nosso novo vate. Chegou. Chegou o momento de dizer-lhe o nome com todas as letras por tratar-se de um poeta maior, na vereda (longe da estrada dos tijolos amarelos) de um estilo próprio, contudo, um poeta maior: José Leite Netto.

Leiam O Relojoeiro sem se preocuparem com o tempo passado presente ou futuro. Esse livro atemporal as horas inexistem. Restam apenas os ponteiros a marcarem no solo as sombras dos momentos. Agora, José Netto é um poeta eterno. Nem precisam gravar o nome.